SÃO PAULO - Um estudo do Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) conseguiu mapear, de maneira inédita na ciência, a atividade cerebral de pilotos de aeronaves durante manobras de alta complexidade. Os resultados trazem avanços significativos para a aviação, com melhorias no preparo dos pilotos e na segurança das aeronaves, e podem ser relevantes em outras áreas.
O objetivo da pesquisa foi entender o que ocorre no cérebro dos pilotos em momentos em que eles precisam reagir de maneira rápida no ar. Para isso, os pesquisadores acompanharam as reações de 11 pilotos de helicóptero durante a manobra de autorrotação, necessária para evitar acidentes quando há pane no motor destas aeronaves. Nas situações em que é preciso fazer a manobra, o tempo médio de reação dos pilotos não deve ultrapassar um segundo e meio, segundo um dos autores do estudo, o Coronel José Ricardo SCARPARI.
Apesar do nível de treinamento do grupo de pilotos que participaram do estudo, todos da elite da Força Aérea Brasileira (FAB), os resultados apontaram que nem todos conseguem lidar no tempo necessário com o estresse e o medo provocado quando há pane no motor da aeronave. "Os pilotos também são passageiros e, em momentos como esse, sofrem de um pico de estresse muito alto. O que observamos é como isso ocorre individualmente", disse o coronel.
Três tipos de comportamento foram identificados a partir da análise dos sensores instalados no corpo dos pilotos para medir o batimento cardíaco e a atividade eletrodérmica. A partir deles, os resultados dividiram os pilotos nos seguintes grupos: o que tiveram um pico de estresse, mas conseguiram se restabelecer a tempo de realizar a manobra; os que perceberam a pane, mas não conseguiram reagir; e os que sequer perceberam o que havia acontecido, tamanho o nível de estresse.
Segundo o Coronel SCARPARI, este último grupo sequer percebeu os sinais de alerta sonoros e visuais emitidos automaticamente pelas aeronaves quando há pane nos motores. "Quando há pane em um motor, é disparada uma sirene muito alta no helicóptero e o painel apresenta o alerta vermelho, mas houve pilotos que, ao pousar no chão e serem questionados por que não agiram, disseram que não tinham ouvido nada", declarou.
Pesquisadores acompanharam as reações de 11 pilotos de helicóptero durante a manobra de autorrotação
Foto: Divulgação/IPEV (Instituto de Pesquisas e Ensaios em Voo) / Estadão
Os 11 pilotos que participaram do estudo já tinham realizado a manobra de autorrotação antes, mas desta vez o treinamento foi alterado para que a reação fisiológica fosse a mais próxima possível da que ocorre em uma situação real. Isso foi feito por meio do corte do motor na primeira volta dos pilotos no ar, em que eles achavam que se tratava de uma volta teste.
Para o piloto Bruno Roque Teixeira, tenente-coronel da FAB, esse foi um aspecto fundamental para o sucesso do estudo. Ele foi um dos participantes do ensaio e conseguiu realizar a manobra dentro do tempo necessário. Na época, possuía cerca de 50 manobras de autorrotação realizadas, considerado pouco. "A reação inevitável é sentir o aperto no estômago, a secura na boca e o medo, mas isso tem de durar meio segundo. O nível de treinamento que isso exige é enorme, mas também é preciso estar bem psicologicamente", disse.
O que os pesquisadores identificaram é que, por mais que alguns pilotos fossem mais experientes e tivessem treinado a manobra mais vezes antes, o aspecto emocional se sobrepõe à técnica e a experiência. "Mesmo que um piloto tenha feito a manobra dezenas de vezes em treinamentos, o aspecto emocional na hora em que acontece uma situação real é que vai determinar o sucesso da manobra", explicou o Coronel SCARPARI.
A partir deste resultado, o estudo conclui que o treinamento dos pilotos deve ser feito de maneira personalizada, levando em consideração o perfil de cada um deles durante a pilotagem. Outras mudanças sugeridas é a automatização de alguns procedimentos, para dar mais tempo para o piloto reagir, e alarmes de voz que orientem os pilotos a realizarem as ações mais urgentes.
Medir o nível de estresse e cansaço com base nos sensores antes de cada voo é outra possibilidade para mais segurança. Hoje, essa medição é feita através de um questionário. Os aperfeiçoamentos podem diminuir os acidentes fatais em helicópteros causados por falhas no motor e erros dos pilotos. Essas são as principais causas de acidentes no Brasil, segundo o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). Juntas, foram responsáveis por 31% dos 148 acidentes em aeronaves ocorridos no País em 2019.
Fator humano deve ser considerado na construção de aeronaves
Até o século passado, as causas dos acidentes aéreos revelaram que 20% das falhas eram humanas e 80%, do equipamento. Neste século, os números se inverteram. Para o especialista Donizeti de Andrade, doutor em aeronaves de rotação e professor do ITA, o grande avanço do estudo é passar a considerar o fator humano dentro do desenvolvimento das aeronaves. "A pesquisa inclui o fator humano dentro de um contexto em que ele é normalmente excluído, apesar de essencial. Isso é fundamental para o aumento da segurança de voo", afirmou.
Indo além da análise do fator humano dentro da engenharia de aeronaves, os pesquisadores acreditam que o estudo traz contribuições para todas as áreas que envolvem decisões rápidas em situações críticas. "Verificamos a importância de trabalhar a regulação emocional para áreas como a da Medicina, dos polícias, dos bombeiros, entre outros", disse Elisa Kozasa, neurocientista do Hospital Israelita Albert Einstein que coordenou o estudo.
Fonte: O ESTADÃO